Depois de Vento e Calor

Publicado: março 26, 2016 em Contos

Tinha cheiro de dezembro quando o Vento dobrou a esquina trazendo o Calor. O Vento era alto, esguio e de um tom grave. Já o calor era baixinho, bem mais minúsculo do que eu imaginava, bochechas avermelhadas, sorriso com os dentes separados e cabelo suado.

Pararam em frente ao meu portão de rosas sem espinhos. Abri na mesma hora porque a vizinhança poderia me ligar dizendo que aqueles dois estavam ali parados e gente ali parada, naquele bairro, não poderia esperar.

– Oi – eu disse abraçando o  maior.

Tinha um efeito meio invisível ao fazer isso, era como se não tivesse acontecido por cerca de três segundos. Logo depois, minha mente foi preenchida com o apertar de mãos do Calor, emanando aquele tipo de energia branda e serena.

– Trouxemos um novo tipo de cabelo para você – me informou o Vento.

– E uns elásticos para penteados – disse o Calor.

Agradeci e perguntei se queriam chá de hibisco. Eles negaram e apenas me mostraram a câmera fotográfica.

– Isso é necessário? – eu perguntei.

– Precisamos registrar – o Calor respondeu enquanto o Vento me passava tal mudança.

Enquanto um deles apertava o botão que tiraria minha primeira fotografia com meu mais novo traço de identidade, senti aquela brisa de corte logo ali na nuca, arrepiando meus pelinhos e me fazendo escutar melhor. O céu estava azul como uma canção entoada pelos The decemberists.

– Sorria – O Vento me disse.

Quando fiz o movimento para mostrar alegria, meu novo cabelo surgiu. Rebelde, volumoso, grosso, registrado em uma fotografia analógica.

Pude ver pela foto que nossa convivência seria próxima. Definitivamente eu precisaria de vários penteados.

Fechei a porta e fui direto para o espelho.

– Olá, meu nome é _________.

Esqueci. O que importava era só aquela sensação de novidade. E foi pelo meu cabelo que a novidade começou.

Logo depois toda minha vida mudou de cor. Não mais enxergava o Vento, mas o Calor, o Calor, esse sim, estava sempre presente. Em escadas, lugares fechados, abertos, transportes… Toda vez que ele chegava, eu agora suava.

 

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